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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Interpretareis conforme a vossa conveniência (parte 2)

AS : 08:45
Em :
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Quando eu citei aqueles versículos bíblicos que deveriam fazer qualquer mulher decente se sentir humilhada pelo seu próprio Deus, a desculpa que aquelas mulheres que passaram na minha porta domingo me deram foi: “Ah!, mas isso é o Antigo Testamento”.
Isso significa exatamente o quê? Significa que Deus era mesmo esse canalha machista e preconceituoso, mas, depois de ter sido pai, no Novo Testamento, mudou completamente o seu modo de ser e tornou-se um amor de pessoa, digo, um amor de Deus?
É isso mesmo.

Essa desculpa-padrão de “Ah!, mas isso é o Antigo Testamento” é a mais idiota em que alguém poderia pensar, e é por isso que faz tanto sucesso entre essas pessoas que não se incomodam em acreditar que uma cobra e uma jumenta falaram com um ser humano, mostrando-se, nos dois casos, serem até mais inteligentes do que o seu interlocutor.
Em todo caso, essa é a mesma justificativa que os cristãos usam para não saírem por aí apedrejando os outros a torto e a direito: Jesus Cristo aboliu toda a antiga lei Mosaica. Isso graças a uma interpretação bem longa feita em cima de um versículo bem curtinho.
O versículo é esse, mencionado na “parte 1“:
Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido
E a interpretação é a que segue.
Uma lei pode ser estipulada em termos do que é proibido ou do que é exigido. Quem faz o que não é para se fazer, segundo a lei, assim como quem não faz o que a lei manda fazer, é, por definição, um transgressor dessa lei. Tratando-se das leis de Deus, um pecador, para usarmos a terminologia condizente.
Uma lei implica, também, numa sanção, numa pena, que se imputa a quem a transgride. Em terminologia bíblica, quem peca deve ser punido.
As punições na lei Mosaica eram, geralmente, capitais: morte por apedrejamento, decaptação, enforcamento ou fogueira, dependendo do crime. O Deus do Antigo Testamento era bem pragmático. Com ele era preto no branco: “Você foi acusada de bruxaria, ou se casou e seu marido percebeu que o membro dele te penetrou sem que você gritasse de dor? Péssima notícia: você está condenada a morrer por apedrejamento.”
Então, o processo todo envolvia lei + sanção + pecador + punição.
Aí o cristão, interpretando aquele “sem que tudo seja cumprido” do versículo mais acima, acha que Deus, que foi quem inspirou Moisés a escrever leis com aquelas punições terríveis, teve a brilhante ideia de vir ele mesmo receber a punição por toda a humanidade de uma vez só. Logo, uma vez que Jesus Cristo pagou o pato por todo mundo, recebendo toda a punição que a lei determinava ser imputada aos pecadores — individualmente — , a pena prevista na lei não poderia ser aplicada em mais ninguém, uma vez que já havia sido “cumprida” numa única pessoa: Jesus.
Simples, né?
Ou isso, ou ninguém iria acreditar que o Jesus, do Novo Testamento, e o Deus do Velho eram um só, porque, quando se trata de legislação, esses dois não se entendem:
Disse, pois, o SENHOR [Deus] a Moisés: Certamente morrerá aquele homem [pego catando lenha no dia de sábado]; toda a congregação o apedrejará fora do arraial. (Números 15:35)
E disse-lhes [Jesus]: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. (Marcos 2:27)

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