.
Quando
eu citei aqueles versículos bíblicos que deveriam fazer qualquer mulher
decente se sentir humilhada pelo seu próprio Deus, a desculpa que
aquelas mulheres que passaram na minha porta domingo me deram foi: “Ah!, mas isso é o Antigo Testamento”.
Isso
significa exatamente o quê? Significa que Deus era mesmo esse canalha
machista e preconceituoso, mas, depois de ter sido pai, no Novo
Testamento, mudou completamente o seu modo de ser e tornou-se um amor de
pessoa, digo, um amor de Deus?
É isso mesmo.
Essa desculpa-padrão de “Ah!, mas isso é o Antigo Testamento” é
a mais idiota em que alguém poderia pensar, e é por isso que faz tanto
sucesso entre essas pessoas que não se incomodam em acreditar que uma
cobra e uma jumenta falaram com um ser humano, mostrando-se, nos dois
casos, serem até mais inteligentes do que o seu interlocutor.
Em
todo caso, essa é a mesma justificativa que os cristãos usam para não
saírem por aí apedrejando os outros a torto e a direito: Jesus Cristo
aboliu toda a antiga lei Mosaica. Isso graças a uma interpretação bem
longa feita em cima de um versículo bem curtinho.
O versículo é esse, mencionado na “parte 1“:
Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”
E a interpretação é a que segue.
Uma
lei pode ser estipulada em termos do que é proibido ou do que
é exigido. Quem faz o que não é para se fazer, segundo a lei, assim como
quem não faz o que a lei manda fazer, é, por definição, um transgressor
dessa lei. Tratando-se das leis de Deus, um pecador, para usarmos a
terminologia condizente.
Uma
lei implica, também, numa sanção, numa pena, que se imputa a quem a
transgride. Em terminologia bíblica, quem peca deve ser punido.
As
punições na lei Mosaica eram, geralmente, capitais: morte por
apedrejamento, decaptação, enforcamento ou fogueira, dependendo do
crime. O Deus do Antigo Testamento era bem pragmático. Com ele era preto
no branco: “Você foi acusada de bruxaria, ou se casou e seu marido
percebeu que o membro dele te penetrou sem que você gritasse de dor?
Péssima notícia: você está condenada a morrer por apedrejamento.”
Então, o processo todo envolvia lei + sanção + pecador + punição.
Aí
o cristão, interpretando aquele “sem que tudo seja cumprido” do
versículo mais acima, acha que Deus, que foi quem inspirou Moisés a
escrever leis com aquelas punições terríveis, teve a brilhante ideia de
vir ele mesmo receber a punição por toda a humanidade de uma vez só.
Logo, uma vez que Jesus Cristo pagou o pato por todo mundo, recebendo
toda a punição que a lei determinava ser imputada aos pecadores —
individualmente — , a pena prevista na lei não poderia ser aplicada em
mais ninguém, uma vez que já havia sido “cumprida” numa única pessoa:
Jesus.
Simples, né?
Ou
isso, ou ninguém iria acreditar que o Jesus, do Novo Testamento, e o
Deus do Velho eram um só, porque, quando se trata de legislação, esses
dois não se entendem:
Disse, pois, o SENHOR [Deus] a Moisés: Certamente morrerá aquele homem [pego catando lenha no dia de sábado]; toda a congregação o apedrejará fora do arraial. (Números 15:35)E disse-lhes [Jesus]: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. (Marcos 2:27)
0 comentários:
Postar um comentário